sexta-feira, 26 de março de 2010

“Úrsula se perguntava se não era preferível se deitar logo de uma vez na sepultura e lhe jogarem a terra por cima, e perguntava a Deus, sem medo, se realmente acreditava que as pessoas eram feitas de ferro para suportar tantas penas e mortificações. E perguntando e perguntando ia atiçando sua própria perturbação e sentia desejos irreprimíveis de se soltar e não ter papas na língua como um forasteiro e de se permitir afinal um instante de rebeldia, o instante tantas vezes desejado e tantas vezes adiado, para cortar a resignação pela raiz e cagar de uma vez para tudo e tirar do coração os infinitos montes de palavrões que tivera que engolir durante um século inteiro de conformismo.

Porra! – gritou.

Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú, pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.

– Onde está? – perguntou alarmada.
– O quê?
– O animal! – esclareceu Amaranta.

Úrsula pôs o dedo no coração.

Aqui – disse.'

[Gabriel Garcia Marquez
in Cem anos de Solidão]

Nenhum comentário:

Postar um comentário